
A primeira vez que me deparei com a presença de um haitiano foi em Manaus, em 2013. Eu estava com uma equipe de televisão francesa fazendo uma matéria sobre os botos cor-de-rosa, e descobrindo as delícias do jambu. Estávamos numa pousada charmosa, no centro da cidade. Uma noite, a linda recepcionista que encantava meus colegas não estava. No lugar dela, o Pierre abriu a porta. A decepção do jornalista foi tamanha que se espantou em resmungou em francês por ter que cumprimentar um príncipe encantado negro, alto e sorridente. O Pierre respondeu com um sorriso constrangido, e demorou alguns longos minutos para falar “bienvenus, vous avez passé une bonne journée?” – também em francês.
Desde o terremoto de janeiro de 2010, mais de 5000 Haitianos chegaram ao Brasil. Por ter tido um impacto midiático grande na França, acabei por acompanhar atentamente as notícias sobre a chegada deles aqui no Brasil. Não consegui ir para o Acre, por onde entraram muitos deles, mas em São Paulo, consegui acompanhar desde 2013 as histórias de vida de muitos.
Por ser francófona, o primeiro contato é mais fácil. A primeira coisa que me chamou atenção foi a facilidade que tiveram para aprender o português. “Já falamos creole, francês, espanhol e as vezes inglês, então não demoramos muito para aprender o português”, explica Claire, que chegou faz um ano e já fala bem. No final do ano passado, quando o Ebola estava nas notícias todos os dias, alguns haitianos contaram que tinham medo de ser confundidos com africanos, além de sofrer racismo e serem recusados para trabalhos por medo do vírus.
Em São Paulo, a presença africana me surpreendeu, já na Copa do Mundo, quando assisti os jogos do Gana ou da Nigéria no restaurante africano no Centro. Mais recentemente me envolvi na produção de um documentário sobre música e migração na cidade. Com o meu marido, que nunca pisou na África, estamos visitando em universo artístico com imigrantes togoleses, camaroneses e haitianos. Nas gravações, as letras, muitas vezes são em francês e temos que legendar, com dúvidas cruéis, como qualquer tradução.
Se temos o francês como língua comum, sabemos que é o fruto de uma história, muitas vezes violenta, de conquistas e dominações que chamamos de “colonização”. Não esperava me deparar com essa questão, sendo francesa, aqui no Brasil, onde como estrangeira eu ressalto regularmente o passado escravagista do gigante que abriga a segunda população negra do mundo após a Nigéria.
Na França, a rádio pública RFI, que transmite programas sobre a África, explora universos diversos ligados ao continente que tanto tem a ver com o Brasil. Eu fiquei meses ouvindo a RFI em São Paulo. Um dos programas que eu gosto se chama “l’Afrique enchantée”. Para os imigrantes recém-chegados do continente, aqui não é exatamente uma “África encantada”, mas o momento histórico faz do Brasil um novo horizonte para muitos deles.
Por Marie Naudascher
Foto: Flavio Forner/XIBÉ