
Meu amor pelo Brasil começa com o futebol. Apesar de eu ter nascido em um país louco pelo críquete, eu cresci ouvindo estórias sobre gigantes do futebol como Pelé e Zico. Mas nunca os vimos jogando porque a primeira Copa do Mundo a ser transmitida pela TV na Índia foi somente em 1986. Em 1998, no entanto, eu vi em primeira mão a mágica brasileira na Copa da França.
No jogo contra a Escócia eu estava sentado entre torcedores brasileiros. Eles pensavam que eu era brasileiro, falavam comigo em português, e me cumprimentavam quando o Brasil fez goals. Eles pareciam pessoas amistosas que não se importavam com a cor da sua pele. Mas eu notei uma diferença. Enquanto os jogadores brasileiros pareciam ser na maioria de raças
misturados, os torcedores brasileiros na França eram na maioria brancos.
Eu comecei a entender esta diferença quando viajei pela primeira vez ao Brasil, em 2010 e depois quando mudei para o país em 2012. Enquanto eu pesquisava sobre futebol brasileiro percebi que diferentemente da Índia, onde o críquete é jogado por rapazes de castas intermediárias e altas, no Brasil o futebol tem funcionado como uma oportunidade de ascensão para os garotos pobres.
Isso também acontece em outra paixão brasileira: o carnaval, adotado pelos pobres e que se tornou parte da cultura dominante brasileira. Muitos brasileiros que eu conheço falam abertamente sobre futebol e carnaval. Mas eles hesitam falar sobre outro aspecto: raça.
Antes de mudar para o Brasil eu ouvi e li muito sobre o Brasil ser uma “democracia racial” – um país onde a cor de sua pele não importa. Esta constatação me parecia verdadeira ao circular pelo país já que ninguém me da um segundo olhar. Eu vivi em Nova York exatamente no período dos atentados de setembro de 2001 e lá rotineiramente eu era xingado porque me consideravam árabe ou paquistanês. Um “terrorista paki”, como diziam. O Brasil foi um agradável alívio para mim.
Mas ao acompanhar as notícias políticas e sociais do Brasil de forma mais detalhada, eu pude perceber que raça ainda é uma questão viva aqui. A primeira vez que constatei isso foi em 2013, enquanto cobria as manifestações de rua de junho e julho. As manifestações eram contra a corrupção. Mas era difícil ignorar a composição racial e de classes dos manifestantes. Em um país com metade da população branca, estes manifestantes que vi nas ruas naqueles dias eram quase 90% brancos. Eu percebi este padrão de novo e de novo em todas as manifestações.
A realidade do racismo no Brasil não é visível nas praias e nas ruas. Ela existe nas favelas, nas prisões e nas delegacias de polícia. Não é coincidência que a maioria das pessoas que são alvo de tiros da polícia são pobres e negras. Não é coincidência que a maioria dos habitantes das favelas são negros ou miscigenados.
Raça aqui é como casta na Índia. Todo mundo nega que existe, mas todos praticam: consciente ou inconscientemente. É sistemático e institucionalizado.
Por Shobhan Saxena
Correspondente na América do Sul do jornal indiano Times of India, o site The Wire e BBC Hindi.